Sociedade e Cooperação.
Fábio Otuzi Brotto
Projeto Cooperação – Comunidade de serviços
1. Somos Todos do Mesmo Time!
Atualmente, não é difícil perceber o quanto somos-estamos ligados uns aos outros. E não apenas ligados aos outros que são-estão próximos da gente, mas nos percebermos conectados intimamente com pessoas, situações, lugares e acontecimentos, aparentemente, muito distantes e sem relação direta com nossa vida.
Compreendemos que estamos Todos Juntos num mesmo Grande Jogo e que seja lá o que alguém pensa, sente, faz ou não faz, afeta todos os outros e é afetado por todo mundo, sem exceção. Esta conscientização da Interdependência como uma característica factual de nossa existência, pode nos ajudar a perceber o quanto de Cooperação é necessário resgatar para dar conta das questões que estamos vivendo neste momento, quer sejam, na sala de aula, no bairro onde moramos, no país em que vivemos, no planeta que habitamos ou no universo onde existimos.
Desde o “Apagão” em escala nacional, até os “Trovões” da guerra no estrangeiro; da poluição dos carros à corrupção dos cargos; do barulho na sala de aula ao silêncio desejado da hora do intervalo; da falta de água aos excessos da liquidez econômica; da violência dentro de casa à busca de Paz mundial; somos todos tocados diretamente por tudo que ocorre na vida de cada um, em todo e qualquer lugar e tempo.
Cada pensamento, sentimento, sensação e ação ou não-ação de qualquer um, afeta - e é afetado por – todos os outros – Nós da Teia da Cooperação.
Nós inter-somos na co-existência cotidiana!
Porém, nem sempre temos tido consciência dessa Interdependência tão à flor da pele. Por isso, penso ser importante dedicar boa parte do que fazemos na escola, no trabalho, na comunidade e na família, para recuperar a Consciência dessa nossa inteireza e re-ligação.
Em parte, essa não conscientização é conseqüência de uma visão fragmentada da realidade e da gente mesmo. Saber-se Interdependente é antes de tudo, renovar a visão que temos sobre as diferentes relações que estabelecemos com os outros. É exercitar nosso olhar, olhando por outras óticas e renovando a Ética de Comum-Unidade no cotidiano.
Creio que exercitando o olhar para além da superfície e das aparências, podemos aperfeiçoar nossas Co-Opetências (competências compartilhadas) para ver o que há de comum na diferença, o que há de proximidade no distanciamento e, especialmente, o que há de solidário no adversário.
Contudo, nem sempre estamos abertos e sensíveis para perceber as relações de interdependência entre nós. “Não somente porque essas relações de interdependência não são objetos físicos visíveis aos olhos, mas fundamentalmente porque nem os nossos olhos e nem as nossas mentes foram preparados e educados para vê-las” . Podemos reconhecer isto em algumas situações vividas no dia-a-dia, como por exemplo, no seguinte relato:
“A jovem mãe estava num carro de luxo encostado no Canal 4, com certeza esperando alguém. No banco de trás, uma criança de seus 3 a 4 anos brincava com uma bola. Os vidros estavam abertos no domingo de manhã. De repente, a bola pulou para fora do carro e rolou por entre os veículos que trafegavam na avenida. A menina começou a gritar. Um rapaz, sentado à beira do canal, de no máximo 18 anos, descalço e com camisa puída, levantou-se imediatamente e saiu atrás da bola, arriscando-se a um atropelamento. Vitorioso com o feito, sorrindo de orelha a orelha, trouxe o brinquedo e devolveu-o à menina que, quando viu sua bola, batia palmas de alegria e entusiasmo. A mãe sequer olhou para o rapaz. Mexeu na bolsa, tirou uma moeda (não deu para ver quanto) e disse: ‘filha, dê o dinheiro para o mendigo’. Parado ao lado do carro, deu para ouvir o rapaz responder ‘não, minha senhora, eu não sou um mendigo, sou apenas pobre, não quero dinheiro, só fiz uma gentileza. Dá para a senhora entender isso?.”
Para entender essa “gentileza” vinda de estranhos, é necessário limpar a lente que temos usado para enxergar uns aos outros e assim, nos liberar da “Ilusão de Separatividade” e recuperar a Visão de Comum-Unidade para nos percebermos como partes uns dos outros.
Além dessa fragmentação na educação de nossos olhares e mentes, podemos reconhecer outros obstáculos à Interdependência real, como por exemplo:
- • “Quanto maior é a extensão do sistema social, os efeitos, benéficos ou perversos das ações e omissões levam mais tempo para retornar a sua origem e tocar os agentes”
Especialmente nos grandes centros urbanos, a sensação de distanciamento é tão acentuada que por vezes nos leva a considerar os acontecimentos como cenas de um filme que assistimos e que jamais protagonizaremos.
Nesse sentido, podemos desenvolver iniciativas para a reaproximação de pessoas e grupos que nos ajudem perceber cada ocorrência, cada fato, como fenômenos pertencentes à realidade da qual somos e fazemos parte.
Penso que podemos criar pontos de ressonância na sociedade, pequenos grupos comunitários servindo como elos de ligação para comunicar com maior agilidade e fidedignidade os efeitos das diferentes intenções e ações que se manifestam no sistema.
Tomar cuidado, zelar pelo campo de nossa co-existência deve ser uma atenção permanente, porque havemos ainda de considerar mais um bloqueio à Consciência de Interdependência:
- • A distribuição desigual dos efeitos benéficos e maléficos no interior do sistema, impede que exista uma mobilização interdependente de indivíduos e grupos. Em outras palavras, nem todos são afetados no mesmo instante e com a mesma intensidade.
Diante destes bloqueios - e de tantos outros - à Interdependência como um fato, é preciso continuar olhando mais atenta, ampla e profundamente a vida, para podermos enxergar as relações de interdependência existentes entre tudo e todos.
Ultrapassar essa “crise de percepção”, interdepende da nossa disposição em reconhecer que somos-e-estamos realmente interligados uns aos outros.
Este é o primeiro passo para Exercitar a Paz-Ciência da Cooperação, ou seja, reconhecer a Cooperação não somente como um princípio, um valor ético, mas antes disto, compreendê-la como uma característica essencial da Vida e como uma condição para a vida na sociedade humana, característica essa, presente em nós desde os primeiros movimentos de nossa espécie pela Terra.
2. Cooperação
O desenvolvimento da Cooperação como um exercício de co-responsabilidade para o aprimoramento das relações humanas em todas as suas dimensões e nos mais diversificados contextos, deixou de ser apenas uma tendência, passou a ser uma necessidade e em muitos casos, já é um fato consumado .
Porém, não é definitivo.
É preciso nutrir e sustentar permanentemente o processo de integração da Cooperação no cotidiano pessoal, comunitário e planetário, reconhecendo-a como um “estilo de vida”, uma conduta ética vital, que esteve consciente ou inconscientemente, presente ao longo da história de nossa civilização.
Contrariando o mito da competição como forma de garantir a sobrevivência e evolução humana, existe um conjunto amplo de evidências indicando que os povos pré-históricos, “que viviam juntos, colhendo frutas e caçando, caracterizavam-se pelo mínimo de destrutividade e o máximo de cooperação e partilha dos seus bens” .
Ainda hoje, podemos encontrar culturas cooperativas em várias sociedades ancestrais existentes no planeta. Isto pode indicar uma boa reflexão sobre a natureza competitiva do ser humano, pois se essa idéia fosse totalmente verdadeira, seria lógico encontrar nas comunidades ancestrais (representantes da porção mais natural da nossa espécie), traços de uma cultura predominantemente, competitiva. Diferentemente disso, tem-se descoberto indícios de uma Cooperação quase que genética, como um ingrediente imprescindível para surgimento e evolução da Vida.
Erich Fromm , analisou trinta culturas primitivas e as classificou com base na agressividade-competitiva e no pacifismo-cooperativo. Ora, se existem sociedades humanas pacíficas e cooperativas, e outras agressivas e competitivas, podemos inferir que se há uma natureza humana possível de ser afirmada, esta seria uma natureza de possibilidades.
A antropóloga Margaret Mead , depois de ter analisado diferentes sociedades concluiu que, os vários graus de competição e cooperação existentes, são determinados pelas respectivas estruturas sociais. Considerando essa estrutura social como resultado das ações e relações dos membros de um grupo social, compreendo a Cooperação e a Competição como desdobramentos das nossas escolhas, decisões e atitudes praticadas na interação com outros indivíduos num pequeno grupo, comunidade, sociedade, país ou no ambiente das relações internacionais.
Somos socializados e socializamos os outros para a Cooperação e Competição através da educação, da cultura e da informação. Portanto, tornar a sociedade Solidário-Cooperativa ou Solitário-Competitiva é uma ação política, isto é, uma arte pessoal e coletiva capaz de realizar o melhor (im)possível para todos.
Ainda de acordo com Humberto Maturana , os seres humanos não são apenas animais políticos, mas, sobretudo “animais cooperativos”. Para ele, a cooperação é central na maneira humana de viver, como uma característica de vida cotidiana fundamentada na confiança e no respeito mútuo.
Isto talvez, nos ajude a entender um pouco melhor as dificuldades apresentadas por indivíduos e grupos que se dispõe a cooperar. Porque confiança é algo a ser construído e permanentemente nutrido. Confiar é estabelecer um pacto de cumplicidade e de uma certa maneira, entregar o destino da própria vida, nas mãos uns dos outros.
Estivemos durante muito tempo, nos educando, treinando, nos preparando para não nos mostrarmos aberta e autenticamente ao outro. Aprendemos a dissimular, não nos expormos como somos mesmo, sob o risco de ao faze-lo, revelar nossas “fraquezas” e então sermos atacados e derrotados pelos “temíveis adversários”... os outros seres humanos.
Podemos despertar dessa ilusão e olhar mais claramente sobre essa pseudo-ameaça – a presença do outro - que imaginamos estar nos cercando. Podemos fazer crescer nossa habilidade de fazer contato e nos integrarmos mutuamente.
Cooperação, confiança e respeito mútuo parecem ser um dos alicerces principais para a co-evolução humana. No entanto, precisamos reaprende-los, desenvolvendo o interesse pelo bem comum e o compromisso com uma Paz-Ciência da Cooperação exercitada no cotidiano.
3. Um Jogo de Paz-Ciência
Considerando a Interdependência como um Fato da vida e a Cooperação como um Princípio, podemos imaginar a Paz como um Exercício diário, onde podemos aprender a harmonizar conflitos, balancear desequilíbrios, transformar crises e abraçar confrontos.
Desenvolver e praticar a Paz, significa assumir um pacto de co-responsabilidade, gerador de um im-pacto de eco-evolutividade, através do aperfeiçoamento da nossa habilidade de cooperar uns com os outros, gerando ordem na desordem (cosmos-no-caos), solidariedade na adversidade, companheirismo no individualismo e cooperação na competição.
Se no passado mais remoto valorizamos demasiadamente o coletivo em detrimento do indivíduo, a partir da modernidade, quase que invertemos essa relação. Acentuamos o individualismo, contrapondo-o à dimensão gregária e mais solidária da sociedade humana.
De uma maneira ou de outra, tivemos posturas opostas que, exacerbadas, nos separaram da natureza, uns dos outros e da gente mesmo, nos levando a ver-e-viver a Ilusão de sermos isolados de tudo e de todos, tendo a competição como a principal estratégia para continuarmos existindo.
Neste momento, estamos sentindo a necessidade-oportunidade de buscar um ponto de harmonia nessas relações, um caminho do meio, um centro de interesse como-um... uma Paz-Ciência da Cooperação.
Reconhecendo que somos partes de um mesmo todo, como se fossemos jogadores de um mesmo e único Time chamado Humanidade, podemos passar a realizar jogadas Solidárias e não mais solitárias; viver lances de Cumplicidade, ao invés de re-lances de egoísmo e separatividade.
Todos podemos participar deste Jogo de Paz-Ciência da Cooperação,
pois nele:
- • Não há seleção dos melhores. Cada um é vital para o Jogo do momento.
- • Não há primeiro nem último lugar. Há um lugar Como-Um.
- • Não há vencedores nem perdedores. Todos jogam Juntos.
- • Não há adversários. Somos todos parceiros de uma mesma jornada.
- • Não há troféus, nem medalhas. Já ganhamos tudo o que precisávamos ter...
- • Sabemos que a verdadeira conquista é poder continuar jogando uns com os outros para VenSer... Feliz!
Somos como Há-Gentes da Paz-Ciência da Cooperação, ousando ir além, sem saber com quem, vivendo a (in)certeza da eterna descoberta e ultrapassando as fronteiras ilusórias que nos separam e distanciam. Sendo assim, às vezes, ainda, podemos ser vistos como românticos, quiméricos ou ingênuos... Não nos importemos.
Somos tudo isso sim, que bom!
Sigamos sendo In-Genuos... mesmo. Isto é, refletindo nos inteiros-ambientes de nossa Comum-Unidade, o que é genuíno dentro da gente:
A Confiança na Beleza e no Poder do Som-Tom-Dom-Com que trazemos no coração, algo essencial para servir ao florescer de mais um tempo de Paz...ConsCiência...
e Cooperação para construir um mundo onde todos podem VenSer... Feliz!
1 ASSMANN, Hugo e SUNG, Jung Mo. Competência e sensibilidade solidária: Educar para a esperança. 2a. ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 2000.
2 SANTANA, Luiz Gonzaga Alca – Jornal “A Tribuna”, Santos, out/2001.
3 WEIL, Pierre. A neurose do paraíso perdido. São Paulo : Espaço e Tempo : Cepa, 1987.
4 MARIOTTI, Humberto. As paixões do Ego: complexidade, política e solidariedade. São Paulo : Palas Athena, 2000.
5 HENDERSON, Hazel. Construindo um mundo onde todos ganhem: a vida depois da guerra da economia global. São Paulo : Cultrix, 1996.
6 ORLICK, Terry. Vencendo a Competição. São Paulo : Ed. Círculo do Livro, 1989, p. 17.
7 FROMM, Erich. A anatomia da destrutividade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
8 MEAD, Margaret. Cooperation and competition among primitive people. Boston : Beacon, 1961.
9 MATURANA, Humberto R. Emociones y lenguaje en educacion y politica. Santiago: Hachete, 1990.
(*) Texto originalmente publicado no livro: Circulando Cooperação. Santos : Projeto Cooperação, 2003.
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