segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Cuidando da experiência do cliente até o término de sua jornada

Cuidando da experiência do cliente até o término de sua jornada

Para gerenciar jornadas de clientes é preciso enxergar além dos limites de processos internos. Isso por vezes pode levar uma organização a atuar de forma proativa no início da jornada em favor do cliente (ver post). Por outras, demanda que a organização acompanhe a experiência do cliente mesmo após o término da interação direta com o mesmo.
O caso que utilizarei para ilustrar essa afirmação foi retirado do site ‘Reclame Aqui’. Para a reforma de sua casa, um consumidor comprou um piso de marca com boa reputação no mercado. A instalação foi realizada por uma revenda autorizada, com garantia de 12 anos.
Após 8 anos, o consumidor constatou problemas com o piso. Abriu um chamado no SAC da fabricante e, após algum tempo, recebeu laudo técnico informando que o problema estava na instalação e que deveria contatar diretamente a revenda.
Procurou então a revenda e, para sua surpresa, descobriu que a mesma não mais existia. Entrou em contato novamente com a fabricante para exigir o reparo. Neste momento, foi informado de que esta se eximia de culpa e só poderia se responsabilizar por defeitos na fabricação do produto.
Isso resultou, obviamente, numa experiência negativa para o consumidor. Em suas próprias palavras:
Não concordo com esta situação. A fabricante tem que ser responsável também pela instalação de seus produtos. Acredito que faltou treinamento adequado da indústria ou foi empregado material inadequado na época. Eu, como consumidor, não tenho o menor conhecimento técnico sobre o caso. Só sei que minha casa esta com o piso horrível.
O dano à imagem estava consolidado. O consumidor, insatisfeito, divulgou sua reclamação amplamente. O que poderia ser sido feito pela fabricante para evitar esse desfecho indesejado?
Precisamos entender que, nesse caso, a jornada do consumidor não se encerra com a instalação do produto. Pelo contrário, inclui sua utilização. A figura abaixo representa essa situação, com a jornada do cliente continuando após o encerramento de um processo interno (no caso, de venda e instalação):
Figura 1 – Jornada do cliente com término posterior ao do processo interno
Figura 1 – Jornada do cliente com término posterior ao do processo interno
Notemos também que o consumidor não buscou comprar um piso. Ele buscou comprar o atendimento a uma necessidade específica – no caso, a necessidade de manter sua residência confortável. O que espera, portanto, é uma solução de qualidade para atender a essa necessidade.
Por fim, cabe destacar que o consumidor não enxerga fabricante e revenda como entidades distintas. Para ele, ambas são corresponsáveis pela entrega da solução esperada.
Na perspectiva do consumidor, portanto, temos uma jornada que continua até, no mínimo, 12 anos após a instalação do piso, período pelo qual foi garantido a ele que sua necessidade continuaria sendo atendida. Qualquer problema durante esse período representa uma quebra de expectativa!
A fabricante, ao se isentar de culpa, demonstra não cuidar adequadamente da experiência do consumidor. Pelo contrário, deixa claro que sua ênfase é interna, no produto.
Como poderia mudar essa mentalidade? Assumindo que sua responsabilidade vai além da fabricação e inclui manter o ecossistema de entrega de valor ao consumidor (venda, instalação, garantia etc.). Deve assim zelar pela qualidade dos atores do ecossistema e pelos compromissos firmados por eles.
Permito-me ir além: deve monitorar a experiência de todos os consumidores que utilizam o produto. Mantêm-se satisfeitos? Quais suas queixas principais e o que poderia fazer para evitá-las? E assim melhorar sua oferta.
As organizações precisam entender que o foco em produtos e serviços é algo obsoleto. Cada vez mais será necessário o foco na entrega de melhores experiências aos clientes. E isso vale para qualquer negócio, até mesmo os aparentemente mais básicos e comoditizados.
© Leandro Jesus

DAS CADEIAS DE VALOR TRADICIONAIS PARA ECOSSISTEMAS

Das Cadeias de Valor tradicionais para Ecossistemas

Michael Porter popularizou o conceito de Cadeia de Valor na década de 1980. Ele descreveu a criação de valor como uma série de atividades lineares e sequenciais de uma organização, que transformam insumos em produtos a serem entregues aos seus clientes.
Apesar de muito úteis para quebrar a visão hierárquica e promover integração e eficiência, as Cadeias de Valor tradicionais ainda são construídas com um olhar predominantemente “para dentro”, com foco nos produtos (e/ou serviços) de uma organização. Enfatizam como processos internos se articulam para produzir e entregar tais produtos. Clientes, por sua vez, são atores “externos” à organização que consomem seus produtos.
Sabemos, no entanto, que a economia está evoluindo para uma visão centrada nos clientes. O que muda então para as Cadeias de Valor nesse novo cenário?
Antes de tudo, não podemos mais assumir que o valor é criado de forma unilateral. Pelo contrário, o valor é co-criado com clientes e partes interessadas. A tabela abaixo resume essa evolução:
Tabela 1: baseada em Ramirez (1999) e Prahalad & Ramaswamy (2002)
Tabela 1: baseada em Ramirez (1999) e Prahalad & Ramaswamy (2002)
Isso muda, obviamente, o entendimento vigente sobre Cadeias de Valor. Deixaremos de olhar prioritariamente para estruturas e processos internos, e priorizaremos a compreensão de jornadas de clientes e como as organizações e seus parceiros participam destas.
Assim, não será suficiente construir cadeias que respeitem as fronteiras de uma organização, pois clientes não enxergam fronteiras em sua busca por valor. Qualquer fronteira já é, nesse sentido, funcional e limitada.
A noção de processos primários, de suporte e gerenciais, típica de uma Cadeia de Valor, também é alterada. O que é primário para a organização nem sempre é primário para o cliente. Para este, o que importa são os processos que atendem diretamente a suas necessidades.
A própria expressão ‘Cadeia de Valor’ perde um pouco seu sentido. Uma visão alternativa é a deEcossistemas de Negócio, uma analogia com os ecossistemas biológicos. Nessa ótica, todos os membros do ecossistema (clientes, organizações, sociedade, ambiente, reguladores) convivem de maneira harmônica ao longo do tempo. O valor é criado por meio de processos complexos e dinâmicos, que envolvem inúmeras relações entre os membros – nas quais todos devem capturar valor!
Vejamos um exemplo simples. Para as montadoras, a fabricação e venda de carros são processos primários numa Cadeia de Valor. Já numa visão centrada nos cidadãos, o valor está em se transportar de maneira rápida, segura e confortável. Isso envolve um ecossistema de transporte, que provê estradas, veículos e normas de trânsito. Carros são apenas um suporte ao ecossistema – os cidadãos podem se deslocar de qualquer forma (bicicletas, metrôs, ônibus, táxis) e sequer precisam possuir carros (há, por exemplo, diversas iniciativas de compartilhamento de carros pelo mundo). Clientes colaboram com o ecossistema provendo informações de trânsito por meio de aplicativos como Waze. Se todos andam com seus próprios carros, o trânsito pode ficar insustentável e o ecossistema precisará ser repensado.
Num ecossistema, todos ganham: um dos focos é sua sustentabilidade. Assim, não basta acompanharmos a maximização de margens de lucro pelas organizações; é preciso zelar também pelo valor capturado pelos demais atores. Qualquer desequilíbrio demonstra um ecossistema vulnerável no longo prazo.
O que resta às organizações e suas Cadeias tradicionais? A compreensão de que são conjuntos de processos, que servem a um ou mais ecossistemas de atendimento às necessidades de consumidores e cidadãos. São parte de uma solução, não o foco por si só.
© Leandro Jesus