terça-feira, 11 de setembro de 2012

Se dirigimos nossa indignação ao alvo errado, isto é, se combatemos o agressor, em vez de combater a agressão, perdemos a oportunidade de estabelecer uma nova relação com o outro. Além de, em grande parte dos casos, alimentarmos o ciclo vicioso da violência, quando a vítima reage, se tornando um novo agressor





“O primeiro princípio da ação não-violenta é a
não-cooperação com tudo que é humilhante”
Mahatma Gandhi




Gandhi costumava dizer: “Pode-se garantir que um conflito
foi solucionado segundo os princípios da não-violência se não
deixa nenhum rancor entre os inimigos e os converte em amigos”.
Embora pareça apenas um conjunto de palavras bonitas, essa
diretriz foi testada na prática, com muitos de seus oponentes, que
se tornaram seus admiradores e até colaboradores.
Não é fácil dominar a própria violência, até porque não é
fácil reconhecer que somos potencialmente violentos — seja em
pensamentos, gestos ou omissões. Sempre arranjamos boas
justificativas para nossas atitudes. “Você foi injusto comigo”,
“invadiu meu espaço”, “me traiu”. Essas são queixas que temos dos
outros e os outros, de nós. Se compreendermos isso, se aceitarmos
que nem sempre estamos com a razão, faremos cobranças (aos
outros e a nós mesmos!) mais justas e mais humanas.
Como um bumerangue que volta ao ponto de partida, o uso
da violência para compensar frustrações e desapontamentos
resulta em sentimentos de impotência e em mais frustração. Ao
agredir alguém, damos a essa pessoa o direito de nos agredir
também, e acabamos por “armar” o outro com os mesmos
instrumentos dos quais queremos nos desvencilhar.
Esse círculo vicioso só se quebra se resistirmos ao ímpeto
emocional, ao ódio e à raiva — barreiras que ofuscam sentimentos
preciosos como a compaixão, a solidariedade e a capacidade de
perdão. “Perdi a cabeça”, “fiquei fora de mim”. Não são essas as
expressões que usamos toda vez que agredimos alguém? E o que
elas querem dizer? Que reconhecemos ter agido por impulso, de
modo irrefletido e ignorante. Mais ainda, que não aceitamos esse
comportamento como digno de nós mesmos — e, igualmente, não
o aceitamos no outro.
Nós humanos, assim como os primatas, somos sensíveis ao
princípio de empatia, uma espécie de tendência para se colocar no
lugar da outra pessoa. Esse sentimento nos faz solidários ao
sofrimento das outras pessoas, sobretudo se formos nós os agentes
dessa aflição. Nessas circunstâncias, experimentamos um misto de
arrependimento, vergonha e compaixão. Pensamos em fazer
qualquer coisa para voltar atrás e evitar o acontecido. Tal
sensação, apesar de dolorosa, mostra a aspiração natural de não
desejar prejudicar ninguém.
A violência, entretanto, nem sempre tem um alvo preciso ou
um agressor identificável. Há violência nos preconceitos que
impedem uma pessoa de exercer seus direitos e desenvolver suas
potencialidades pelo simples fato de ter uma raça, um gênero,
uma cultura, uma condição social, uma religião, uma capacidade
física especial. Há violência nos sistemas políticos e econômicos
que reforçam disparidades de oportunidades, erodindo o tecido
social e gerando exclusão, desemprego, miséria e indignidade.
Há violência nos desvios de recursos públicos que deveriam
promover plena sociabilidade, fundada na segurança que nasce da
liberdade e da igualdade de acesso aos bens naturais e culturais
que são patrimônio de todos — e não apenas de alguns. Há
violência nos discursos que domesticam e criam resignação, ao
repetir uma e outra vez que "o mundo é assim mesmo, sempre
houve guerra e injustiça", desencorajando qualquer proposta nova
de organização social e de uma cidadania ativa e responsável.
A violência não é uma expressão de justiça, de felicidade,
nem de amizade. Estas promovem o acolhimento e a troca, buscam
o convívio, o estar junto para partilhar e aprender, para criar,
desafiar e construir futuros nunca imaginados, mas sempre
possíveis. Esse desejo foi, até agora, o sustentáculo da nossa
espécie — o que confirma e renova a nossa esperança.
Lya Dinkin


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