Das Cadeias de Valor tradicionais para Ecossistemas
Michael Porter popularizou o conceito de Cadeia de Valor na década de 1980. Ele descreveu a criação de valor como uma série de atividades lineares e sequenciais de uma organização, que transformam insumos em produtos a serem entregues aos seus clientes.
Apesar de muito úteis para quebrar a visão hierárquica e promover integração e eficiência, as Cadeias de Valor tradicionais ainda são construídas com um olhar predominantemente “para dentro”, com foco nos produtos (e/ou serviços) de uma organização. Enfatizam como processos internos se articulam para produzir e entregar tais produtos. Clientes, por sua vez, são atores “externos” à organização que consomem seus produtos.
Sabemos, no entanto, que a economia está evoluindo para uma visão centrada nos clientes. O que muda então para as Cadeias de Valor nesse novo cenário?
Antes de tudo, não podemos mais assumir que o valor é criado de forma unilateral. Pelo contrário, o valor é co-criado com clientes e partes interessadas. A tabela abaixo resume essa evolução:
Isso muda, obviamente, o entendimento vigente sobre Cadeias de Valor. Deixaremos de olhar prioritariamente para estruturas e processos internos, e priorizaremos a compreensão de jornadas de clientes e como as organizações e seus parceiros participam destas.
Assim, não será suficiente construir cadeias que respeitem as fronteiras de uma organização, pois clientes não enxergam fronteiras em sua busca por valor. Qualquer fronteira já é, nesse sentido, funcional e limitada.
A noção de processos primários, de suporte e gerenciais, típica de uma Cadeia de Valor, também é alterada. O que é primário para a organização nem sempre é primário para o cliente. Para este, o que importa são os processos que atendem diretamente a suas necessidades.
A própria expressão ‘Cadeia de Valor’ perde um pouco seu sentido. Uma visão alternativa é a deEcossistemas de Negócio, uma analogia com os ecossistemas biológicos. Nessa ótica, todos os membros do ecossistema (clientes, organizações, sociedade, ambiente, reguladores) convivem de maneira harmônica ao longo do tempo. O valor é criado por meio de processos complexos e dinâmicos, que envolvem inúmeras relações entre os membros – nas quais todos devem capturar valor!
Vejamos um exemplo simples. Para as montadoras, a fabricação e venda de carros são processos primários numa Cadeia de Valor. Já numa visão centrada nos cidadãos, o valor está em se transportar de maneira rápida, segura e confortável. Isso envolve um ecossistema de transporte, que provê estradas, veículos e normas de trânsito. Carros são apenas um suporte ao ecossistema – os cidadãos podem se deslocar de qualquer forma (bicicletas, metrôs, ônibus, táxis) e sequer precisam possuir carros (há, por exemplo, diversas iniciativas de compartilhamento de carros pelo mundo). Clientes colaboram com o ecossistema provendo informações de trânsito por meio de aplicativos como Waze. Se todos andam com seus próprios carros, o trânsito pode ficar insustentável e o ecossistema precisará ser repensado.
Num ecossistema, todos ganham: um dos focos é sua sustentabilidade. Assim, não basta acompanharmos a maximização de margens de lucro pelas organizações; é preciso zelar também pelo valor capturado pelos demais atores. Qualquer desequilíbrio demonstra um ecossistema vulnerável no longo prazo.
O que resta às organizações e suas Cadeias tradicionais? A compreensão de que são conjuntos de processos, que servem a um ou mais ecossistemas de atendimento às necessidades de consumidores e cidadãos. São parte de uma solução, não o foco por si só.
© Leandro Jesus