LIDERANÇA
NA ERA DA COMPLEXIDADE
Por muito tempo, muitos de nós tem tido fascinação
por heróis.
Talvez, seja o nosso desejo de sermos salvos,
nosso desejo de “não fazermos o trabalho pesado”, e de confiar em alguém
(outro) para desenrolar as coisas. Constantemente estamos bombardeados por
políticos que se apresentam como heróis, que irão resolver tudo e fazer os
nossos problemas desaparecerem.
Esta é uma imagem sedutora, uma promessa
mágica. E continuamos acreditando. Em algum lugar existe alguém que fará tudo
melhor. Em algum lugar existe alguém que é visionário, inspirador, brilhante,
digno de confiança e todos nós vamos alegre e voluntariamente segui-lo ou
segui-la. Em algum lugar....
Bem é hora de todos os heróis irem para casa,
como o poeta Willian Stafford escreveu: E hora de desistirmos destas esperanças
e expectativas que somente estimulam a dependência e a passividade e que não
nos dão soluções para os desafios que enfrentamos. É hora de parar de esperar
por alguém para nos salvar. É hora de encarar nossa verdadeira situação:
Estamos todos juntos nessa, todos temos uma voz e precisamos descobrir e
encontrar formas de como mobilizar os corações e mentes de todos em nosso
próprio ambiente, em nossos locais de trabalho e comunidades.
Por que continuamos esperando por heróis?
Parece que assumimos como “corretas” algumas questões:
· Os líderes tem as respostas. Eles sabem o que
fazer.
· As pessoas cumprem o que os lideres dizem. Os
líderes somente devem fornecer bons planos e instruções.
· Alta margem de risco requer altos índices de
controle. Como as situações crescem em níveis de complexidade e tornam-se mais
desafiadoras, o poder precisa subir para níveis superiores (para os líderes que
sabem o que fazer)
Estas crenças dão origem aos modelos de
comando e controle, modelos estes,
reverenciados em organizações e governos em todo o mundo.
Os que pertencem a parte inferior da
hierarquia devem submeter-se a uma maior visão e conhecimento dos que estão
acima.
Líderes prometem nos tirar desta bagunça e
nós, entregamos voluntariamente nossa autonomia individual em troca de
segurança.
A única consequência previsível sobre a
tentativa dos líderes para ter controle sobre uma situação complexa, até mesmo
caótica, é a criação de mais caos.
Estes líderes se isolam com apenas alguns
assessores-chave e tentam encontrar uma solução simplista (e rápida) para um
problema complexo. E as pessoas os pressionam a fazer exatamente isso.
Todos querem ver o problema desaparecer,
gritos de “resolva-os” surgem do público. Os líderes se esforçam para parecer
que possuem controle sobre a situação e que tem tudo nas mãos.
Mas as causas dos problemas de hoje são
complexos e interligados. Não há respostas simples e nenhum indivíduo
isoladamente pode saber o que fazer.
Nós parecemos ser incapazes de reconhecer
estas realidades complexas. Ao invés
disso, quando o líder não consegue resolver a crise, a solução é demiti-lo ou
demiti-la e procurar o próximo (e mais perfeito) líder. Nós não questionamos
nossas expectativas por líderes, não questionamos nosso profundo desejo de
termos heróis por perto.
A
ILUSÃO DO CONTROLE
A liderança heroica repousa sobre a ilusão de
que alguém pode estar no controle. No entanto, vivemos em um mundo de sistemas
complexos, cuja existência, por si só, significa que eles são inerentemente
incontroláveis. Ninguém está no controle do nosso sistema de alimentação.
Ninguém está no controle de nossas escolas. Ninguém está no controle do meio
ambiente. Ninguém é responsável pela segurança nacional. Ninguém está no
comando!
Estes sistemas são fenômenos emergentes do
resultado de milhares de pequenas ações locais que convergem para criar
poderosos sistemas com propriedades que podem ostentar pouca ou nenhuma
semelhança com as pequenas ações que
lhes deram origem. Estes são os sistemas
que agora dominam a nossa vida. Estes sistemas não podem sofrer mudança por
trabalharem no passado, focando somente poucas, simplistas e reduzidas causas.
E certamente, estes sistemas, não podem ser alterados pelas mais ousadas visões
de nossos mais heroicos líderes.
Se queremos ser capazes de conseguir que estes sistemas complexos
trabalham melhor, precisamos abandonar nossas expectativas de que o líder atue
como herói e precisamos convidá-lo a atuar como servidor.
Precisamos apoiar os líderes que sabem que os
problemas são complexos, que sabem que, para compreender a complexidade de
qualquer problema, todas as partes do sistema precisam ser convidadas para
participar e contribuir. Nós, como liderados, precisamos doar nosso tempo,
perdão e paciência e estes líderes e
precisamos estar dispostos a nos dedicarmos e a contribuir.
Estes líderes-servidores são sinceros o
suficiente para admitir que muitas vezes, não sabem o que fazer pois tem
consciência de que é pura tolice centralizar a busca de respostas somente
neles. Mas eles também sabem que podem confiar na criatividade de outras
pessoas e em seu compromisso para começar o trabalho a ser feito. Eles sabem
que outras pessoas, não importam aonde elas estejam na hierarquia
organizacional, podem ter tanta iniciativa, motivação, criatividade e
inteligência assim como o líder, dado o convite certo.
A JORNADA DO HERÓI PARA SERVIDOR
Líderes que caminham de heróis para servidores
já passaram pela dinâmica negativa da política e da oposição entre níveis hierárquicos.
Eles ignoraram os organogramas e as descrições de funções que confinam o
potencial das pessoas. Em vez disso, eles se tornaram curiosos. Quem está nesta
organização ou comunidade? Que habilidades ou capacidades eles poderiam
oferecer se fossem convidados para o trabalho verdadeiramente como cooperadores, inteiramente como
contribuintes? O que eles sabem? Que
percepções eles tem que podem conduzir a uma solução para os problemas?
Líderes-servidores sabem que as pessoas de
boa vontade apoiam ações e projetos onde puderam desempenhar um papel na
criação, onde puderam participar. Não é possível esperar que as pessoas entrem
e participem em planos e projetos dos quais não participaram.
Líderes-servidores investem em conversas
significativas entre as pessoas de muitas partes do sistema como a forma mais
produtiva de gerar novos conhecimentos e possibilidades de ação. Eles acreditam
e confiam que as pessoas estão dispostas a contribuir, e de que a maioria das
pessoas anseiam por encontrar sentido e novas possibilidades em suas vidas e no
seu trabalho.
Estes
líderes sabem que a realização do grupo é
a única forma de solucionar difíceis problemas complexos.
Líderes-servidores
não somente de forma benéfica permitem que as pessoas cresçam e confiam que as
pessoas farão um bom trabalho inclusive em sua liderança. Apesar de também
terem muitos desafios, atividades e coisas para atender, eles comportam-se de
forma distinta de um herói.
Os líderes-servidores:
· Fornecem condições e bons processos de grupo
para que as pessoas trabalhem juntas;
· Fornecem recursos de tempo, a “mercadoria” mais
escassa de todas
· Insistem em que as pessoas e o sistema
aprendem, com frequência, com a
experiência;
· Oferecem apoio inequívoco às pessoas que
sabem que o líder está a seu serviço;
· Mantem a burocracia afastada, criando oásis
onde as pessoas possam estar menos sobrecarregadas pelas demandas
administrativas insensatas (relatórios e documentos).
Defendem-se
e argumentam com outros líderes que querem tomar de volta o controle, ou que os
criticam por estar dando muita liberdade às pessoas.
Fornecem
feedback regularmente sobre como as pessoas estão fazendo o que estão fazendo
durante todo o processo de realização.
Trabalham
com as pessoas para desenvolver medidas e indicadores de desempenho importantes
para o progresso, para que suas realizações sejam visíveis.
Valorizam o
convívio e a presença nos grupos que realizam atividades compartilhadas.
DESAFIOS DE SUPERIORES
É importante notar como líderes que caminham
de heróis para servidores dusam o poder de sua posição.
Eles trabalham todos os níveis da hierarquia.
Na maioria das vezes é mais fácil ganhar o apoio e respeito das pessoas que o
acompanham do que obter este reconhecimento dos seus superiores. A maioria dos
líderes seniors de grandes hierarquias acreditam em sua inerente superioridade,
comprovada pelas posições que alcançaram. Eles não acreditam que as pessoas
comuns são tão criativas ou auto-motivadas como eles. Quando a participação é
sugerida como meio para reunir insights e ideias das pessoas sobre um problema
complexo, lideres heróis muitas vezes irão impedir ou bloquear tais atividades.
Eles justificam sua oposição, afirmando que
as pessoas podem utilizar esta oportunidade para tirarem vantagem da
organização, ou que podem sugerir ideias que não tem relação com a missão da
empresa, ou ainda que as pessoas, ao se sentirem muito confiantes, podem
ultrapassar seus papéis. Na verdade, muitos líderes enxergam o envolvimento de
todo o sistema como uma ameaça ao seu próprio poder e controle. Eles
consistentemente escolhem o controle e o caos resultante, ao invés de convidar
as pessoas para resolverem juntas problemas difíceis e complexos.
Os líderes que sabem o valor do engajamento
total, que confiam nos que estão ao seu redor, tem que defender a sua equipe
dos líderes que insistem na necessidade de mais controle e mais burocracia para
restringirem suas atividades, mesmo quando suas formas de funcionamento
produzem excelentes resultados.
É estranho dizer mais muitos líderes escolhem
o controle ao invés da eficácia, pois estão dispostos a arriscar a criação de
mais caos, continuando sua liderança comando-controle.
RE-ENVOLVER AS PESSOAS
Aqueles que
foram prejudicados em papéis de confinamento, que de alguma forma foram
enterrados na hierarquia, acabarão por florescer e desenvolverem-se na
companhia de um líder-servidor. No entanto é preciso tempo para que os
funcionários acreditem que este gestor é diferente e que este líder realmente
quer que eles contribuam.
É possível
levar de 12 a 18 meses em sistemas onde as pessoas foram silenciadas na
submissão de uma liderança autocrática. Neste tempo, a maioria das pessoas
esperam para ver atitudes concretas, muitas vezes não estão interessadas por
que convites passados não foram sinceros, ou não os envolvia em um trabalho
significativo.
O líder
precisa provar através de constante insistência que o trabalho não pode ser
realizado e os problemas não podem ser resolvidos sem a participação de todos.
Se a
mensagem for sincera e consistente, as pessoas gradualmente retornam à vida,
mesmo que alguns já estejam “mortos” no trabalho, esperando apenas a
aposentadoria, estes, podem renascer, na presença de um líder que incentiva e
que cria oportunidades para que todos contribuam.
Líderes servidores precisam ser habilidosos
organizadores. Eles percebem que a sua organização ou comunidade é rica em
recursos, e que a maneira mais fácil de descobrir estes recursos é unir as pessoas em torno de diversas conversas significativas,
que importam. As pessoas que não gostam
um do outro, as pessoas que se vingam e ignoram o outro, as que se sentem
invisíveis, negligenciadas, deixadas de fora, excluídas são as que podem surgir
a partir de suas “caixas”e “rótulos” para tornarem-se interessantes, colegas
engajados e cidadãos.
Hospedar conversas significativas não
significa fazer as pessoas gostarem uma das outras ou se sentirem bem. Trata-se
de criar os meios para solução de problemas, de uma forma que contribua para
que as equipes funcionem bem e para que as pessoas participem com energia.
Líderes-servidores criam uma mudança substantiva, confiando no comprometimento,
criatividade e generosidade de todos.
Eles aprendem a partir da experiência que
estas qualidades estão presentes em quase todo mundo e nas organizações. Eles
estendem sinceros convites, fazendo boas perguntas e tendo a coragem de apoiar
a experimentação e os riscos calculados.
Muitos de
nós podemos ser pegos agindo como heróis, não de forma consciente, mas a partir
de nossas boas intenções e vontade de ajudar. Você está agindo como um herói?
Veja como
saber: Você está agindo como um herói quando você acredita que se você apenas
trabalhar mais, irá concertar as coisas; que se você apenas ficar mais esperto
ou aprender uma nova técnica você vai ser capaz de resolver o problema dos
outros. Você está agindo como herói se assumir mais e mais projetos e causas se
tiver menos tempo para os relacionamentos. Você está atuando como herói se você
acreditar que pode salvar a situação, a pessoa, o mundo. Nossos impulsos
heroicos frequentemente nascem da melhor das intenções. Nós queremos ajudar,
queremos resolver, queremos corrigir. No entanto esta é a ilusão de
excepcionalidade. De que somos os únicos que podem oferecer ajuda, serviço,
habilidades. Se não fizermos isso, ninguém o fará. Este caminho herói tem
apenas um destino garantido – acabam sentindo-se solitários, exaustos e
desvalorizados.
É hora de
todos nós, os heróis, irmos para casa, por que, se o fizermos, vamos perceber
que não estamos sozinhos. Estamos cercados por pessoas como nós. Elas também
querem contribuir, elas também têm ideias, elas querem ser úteis aos outros e
resolverem seus próprios problemas.
Verdade seja
dita, eles nunca quiseram heróis para resgatá-los.
Partes deste
artigo são trechos do livro Walk Out Walk On: A jornada do aprendizado em
comunidade – Ousar viver o futuro agora de Margareth Weatley e Deborah Frieze
lançado nos EUA em 2011. Editora Berret-Koehler Publishers. Tradução de
Cristiane Gantus.
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